terça-feira, 23 de abril de 2019

Resenha: Memória de Minhas Putas Tristes - Gabriel Garcia Márquez

"No final, com Allegreto poco mosso, estremeceu-me a revelação deslumbrante de que estava escutando o último concerto com que o destino me deparava antes de morrer..." 

"...me atravessou a ideia complacente de que a vida não fosse algo que transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais.” 

Antes de mais nada, sobre esse "amor": Li resenhas e comentários de quem aprova ou repele o teor da paixão de um velho por uma adolescente. Todos tem razão! O gosto por um fato é pessoal, seu julgamento moral também... Mas isso não torna a obra melhor ou pior, assim como não torna o fato ético ou não, uma vez que a ética soma-se a moral de todos na sociedade e ao julgamento dos fatos decorrentes de algum ato... É uma paixão impossível "possível" de acontecer... certo? Aliás, que tipo de desejo ou sentimento é impossível de se passar pela mente humana? Virtualmente nenhum... Gabriel escreve sobre um amor praticamente impossível de se concretizar, mas não apenas possível de se passar, como bem se passa sim na mente de muitos homens... e também mulheres mais velhas! Os amores impossíveis, intragáveis, aliás... são os que mais e com mais força se passam! As paixões que os amantes chamam transitoriamente por amor... E tendo escrito sobre algo factível, possibilita ao leitor, conhecer mais uma realidade, através da mente do personagem, da única forma que se pode conhecer qualquer realidade livre de consequências... através da imaginação! Se a literatura é o melhor instrumento para tocarmos o intocável, tema algum deve ser tabu a ser escrito...

Ainda mais profundamente: Tristes ficaram as antigas amantes, na cabeça do personagem idoso... porém não de fato na realidade da história! A grande verdade é que amando demais a si mesmo, construiu o fato de que por tê-las deixado, condenou-as a um destino de tristeza! Mas não foi isso o que aconteceu... Ao bem da verdade todas as antigas amantes resolveram suas vidas de um jeito ou de outro. Até mesmo Damiana, que mostrou o tempo contado em que o esperou, por fim se consolando e sendo feliz de outros modos... mesmo que sozinha!

E se engana quem pensa que ele foi triste... pois a história deixa claro que ele em nada se arrependeu ou mudaria de sua vida! Fora feliz mesmo em meio a uma vida que nos pareceu solitária e melancólica (mais uma vez, ledo engano achar que por que algo nos parece ruim, de fato o seja para quem vivencia), apenas "dando a volta na grelha e continuando a assar", justo quando sentia a carne já queimando (ou a morte chegando)... e assim continuou a viver até sabe-se Deus quando...

Nas entrelinhas do título a deixa: A vida só tem sentido pela visão de quem a vive! Para ele as "putas" foram tristes... ainda que para elas, não! Para ele sua vida foi feliz, ainda que para nós, não era o que o ambiente sugeria... O mais importante é manter a "carne assando" (ou seria o coração queimando?), para seguir vivendo... Ah, e para aquele que ama... todos os dias parecem ser o último dia de sua vida! E assim segue vivendo...